Abrir os jornais de hoje foi um exercício chocante. O destaque ficou por conta do grande terremoto no Japão, que gerou imagens televisivas espetaculares de destruição em massa. Objetos e pessoas, por maiores que fossem, pareciam brinquedos sendo esmagados diante dos elementos em fúria.
O fato de a ciência ter uma explicação razoável para o fenômeno dos terremotos não alivia o pavor que a fragilidade humana sente diante dessas grandes catástrofes.
Ficamos novamente como os homens sempre ficaram diante das tragédias dadas pelo mal natural: pasmos, contemplativos, inquirindo no íntimo a razão de ser assim.
A filosofia do mal
Os homens sempre buscaram uma filosofia do mal, necessariamente derivada da vivência de Deus. A realidade suprema que o explica e dele redime os homens.
Ainda na mesma edição dos jornais de hoje temos o relato de que continua o massacre dos cidadãos líbios. O mal aqui toma a forma de mal político. Não é menos letal que o mal natural, muito ao contrário.
As Grandes Guerras, os regimes nazista e comunista, os totalitarismos de toda ordem têm sido mais impiedosos e assassinos do que qualquer catástrofe natural.
Basta comparar o número de vidas ontem sacrificadas no Japão com aquelas que desapareceram na II Guerra Mundial.
O mal natural é brinquedo perto do mal político. No meio islâmico podemos ver hoje a desgraça acontecer diante de nossos olhos.
O impulso destrutivo ocorre não se sabe bem a origem, mas nela está certamente a soberba, a ganância e o ímpeto de dominação inerentes à condição humana.
Por que tanta violência?
No jornal O Estado de São Paulo tem hoje um excelente artigo do cardeal-arcebispo Dom Odilo P. Scherer (Quanta violência! Por quê?). No qual defende a tese da relativa inutilidade da repressão aos crimes e maldades do cotidiano, sem que as pessoas não aceitem a lei moral no seu íntimo.
Nas suas palavras: “A conduta reta, ou o seu contrário, depende da educação; virtude e vício têm mestres e currículos próprios.
Valores e princípios são ensinados e apreendidos. A inteligência humana é capaz de reconhecê-los, de distinguir entre o que é bom e o que é mau. Por sua vez, a consciência pessoal e a vontade, quando bem esclarecidas e motivadas, inclinam-se para o bem e rejeitam o mal.
A lei exterior, por si, é constritiva, porque vem acompanhada pela ameaça, não muito eficaz, do castigo e da pena. Eficácia maior da lei é garantida pela adesão interna e livre ao valor protegido por ela.”
O mais notável no artigo de Dom Odilo é o relato que fez dos crimes comuns que foram destaques na nossa imprensa nos últimos dias. O mal moral em ação.
A visão que o mundo moderno tornado agnóstico construiu sobre o mal tomou forma com um terremoto, o de Lisboa, em 1755, quando Goethe tinha apenas sete anos e ficou vivamente impressionado com o fato.
Aquela geração na Europa, que já questionava o Deus cristão e a doutrina da Igreja sobre o mal no mundo, passou a percebê-lo de forma diversa, não apenas contra os ensinamentos da Igreja, mas a cultuá-lo abertamente.
Fausto e toda a realidade do mal
O poema Fausto, que será objeto de curso ministrado por mim (Cultura Sem Limites) no próximo mês de maio, é o registro poético desse momento.
Goethe elevou um canto universal à nova visão do mal. Fez a crônica do seu tempo e a profecia do que viria: o drama da Alemanha do século XX, que é o mesmo drama universal.
Ler os jornais de hoje obriga a meditar mais profundamente sobre aquilo que, poeticamente, Goethe nos propôs no seu magnífico Fausto.
José Nivaldo Gomes Cordeiro é economista e mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas
Juraci Rocha, o editor escreve neste blog com o propósito e expectativa de apresentar o homem, poço de incoerências, um retrato de imprevisibilidade